Menina veste rosa e menino veste azul. Seria muito fácil se a vida fosse assim, divida em dois: vida e morte; dia e noite; claro e escuro; sim e não; Mas entre o nascer e o morrer há uma infinidade de experiências que podemos chamar de vida e outras que, às vezes, podemos chamar de morte.
Entre o dia e a noite, existe o entardecer, o sol a pino e, às vezes, chuva. Entre o claro e o escuro existe a penumbra, a sombra, as nuances; entre o sim e o não, provavelmente, existe a negação do querer e até o talvez. Quem nunca disse não, querendo dizer sim e disse sim, querendo dizer não?
É essa complexidade que a simplificação dualista violenta. Meninas e meninos são seres complexos. São sujeitos num mundo de objetos; às vezes são objetos também. De qualquer forma, reduzir um ou outro de forma tão maniqueísta provavelmente gera alguma consequência.
A imagem em destaque é de um filme que, particularmente, eu gosto muito: O Sorriso de Monalisa, estrelado pela Julia Roberts. Contextualizado nos anos 1950, conta a história de uma professora de História da Arte que foi admitida no colégio de moças mais conservador do país. Colégio que simplifica toda complexidade existencial das estudantes ao casamento, como se não fosse possível ser tudo o que se quer ser, mesmo casada.
Em uma cena do filme, a professora admite que errou quando pensou que poderia fazer alguma diferença na vida das alunas. Não estava dando aulas para líderes, estava dando aulas para esposas. Naquele época, a mulher feliz era a mulher casada. Sendo um demérito social ser solteira depois dos 30 anos. Menina veste rosa. Simples assim.
O próprio filme tem um desenrolar bastante impressionante e imprevisível. E sim, uma das personagens escolhe se casar e cuidar dos filhos (é uma das cenas que eu mais gosto; além de ser a personagem que eu mais admiro).
Na vida real, as mulheres vêm ganhando espaços, ao longo da história. Começando pelo movimento das sufragistas; antes, nem votar a mulher podia. Ainda hoje existem lugares onde as mulheres não podem sair de casa sem uma companhia masculina, mesmo que a companhia seja uma criança do sexo masculino.
Em geral, as mulheres tem lugar determinado, seja pela família, pela igreja, às vezes, até mesmo pelo Estado. Esses lugares posto às mulheres, não são lugares de liderança, visibilidade, assertividade, sucesso. Claro, há exceções, mas eu quero falar da regra.
Esses dias mesmo eu ouvi uma mulher falar de seu marido: ‘como pode né? um homem cozinhar e já ir limpando a cozinha, ao mesmo tempo?!’. Ela estava impressionada, de verdade. Me limitei a dizer que é a educação. Afinal, um pênis no lugar da vagina não interfere na capacidade intelectiva do sujeito. O que interfere mesmo, é a educação desse sujeito.
E a educação é patriarcal. O patriarcado é a estrutura que visa conservar essa simplificação das mulheres enquanto sujeitos, reduzindo-as à fêmeas. Reprodutoras. Cuidadoras. Que cozinham por excelência. Limpam a casa por natureza. Sem valor subjetivo, sem desejo, sem sonho.
Tais valores o patriarcado conserva aos homens, que precisam de uma mulher por trás para ser bem sucedido, como diz o ditado popular: “Por trás de todo grande homem existe uma grande mulher”. O lugar da mulher é atrás, nunca à frente, sendo vista, admirada, respeitada.
Essa estrutura é muito sutil. É tão sutil, que quando uma menina de 10 anos engravida de estupro e ganha o direito de abortar, quem repercute é a menina e o aborto. O pedófilo não entra muito em evidência, afinal, é esperado que um homem estupre alguma mulher ao longo da vida. Ou ejacule nela em algum transporte público.
A gente nem percebe no dia a dia como somos adestrados por esse mecanismo. Porque ele nos constitui, em certa medida. Estamos presos numa teia, a qual nem percebemos. Porque é assim mesmo. É esperado que um homem abandone um filho, não pague pensão, seja preso por isso e tudo bem. Que homem nunca fez isso? Quantas mães sozinhas nesse mundo, quantas crianças sem saber quem é seu pai?
Toda essa normatização dos homens e criminalização das mulheres molda uma sociedade patriarcal. Mulheres com seios à mostra num protesto feminista, é feminismo radical; bando de loucas com os seios à mostra. Se uma mãe amamenta o filho em público, deve cobrir o seio que alimenta a criança porque ofende o cidadão brasileiro. Mas seios à mostra em revista masculina, está okay! Afinal, o corpo feminino é bem aceito quando está a serviço do prazer dos homens.
Mesmo quando o prazer dos homens decorre de um ato de violência, como estupro, mesmo que de crianças de 10 anos que menstruam. A menstruação também é um problema. Assim como os pêlos o são. Mulher com pêlo é ofensivo, boas mesmo são as mulheres que se depilam e ficam como as crianças são, lisinhas.
O patriarcado é sutil. É tinhoso. E as sociedades reproduzem muito bem esse modo de ser. Reproduz tão bem que a gente nem percebe como nós mulheres somos colocadas no mundo, porque é algo dado. Não é condicional. Quem não aceita, é feminista! Como se isso fosse uma ofensa. E o machismo no meio de tudo isso?
O machismo é o método pelo qual o patriarcado se reproduz e se mantém. Somos todos machistas. Quando reproduzimos essa estrutura sem questionar ou, até mesmo questionando. A vida é complexa, as pessoas são complexas. A vítima é sempre vítima, principalmente quando se trata de uma criança. Mas, outra coisa que o patriarcado faz bem, é inverter os jogadores, e fazer das vítimas, vilãs. Fique atento! Fique atenta! Estar vivo é tomar partido!
E se você gostou desse conteúdo, leia “Para educar crianças feministas” – Chimamanda Ngozi Adichie. A educação é um dos pilares com os quais podemos estruturar uma sociedade menos violenta.